domingo, 2 de setembro de 2012

Gastronomia na Bienal do Livro

Cozinhando com Palavras, um evento gastronômico-cultural dentro da Bienal do Livro 2012. Programação eclética e deliciosa; uma pena que eu tive apenas uma única oportunidade para acompanhar.

Passei por lá no dia 16 de agosto para assistir um sarau "gastonomo-musical-literário": Na Cozinha com Jorge Amado, com a presença da filha Paloma Amado, da cantora Giselle Tigre e da chef Morena Leite, do restaurante Capim Santo, preparando ao vivo uma moqueca de aratu (cuja degustação foi sorteada para alguns felizardos da platéia). André Boccato esteve no papel de curador e mestre de cerimônias.

Paloma falou os hábitos e preferências gastronômicas do pai baiano ("que não cozinhava um ovo") e da mãe descendente de italianos. Contou que a avó italiana, mãe de Zélia Gattai, era anarquista e recusava-se a cozinhar. O avô, amante da boa comida, fez com que as filhas a aprendessem as artes da cozinha, alegando que "genro meu não vai passar o que eu passo".

Contou ainda o "causo" de um tio médico, irmão de Jorge Amado, que morava em São Paulo há décadas e foi passar uma breve temporada na casa deles no Rio Vermelho, em Salvador. Chegou com um discurso de que comeria à vontade, já que havia descoberto que aquilo que relamente engordava os seres humanos era a culpa, e não a comida. Em oito dias de cozinha baiana "em quantidade" o doutor engordou oito quilos – um por dia! Um verdadeiro "super size me" do recôncavo.


Na trilha sonora, Giselle Tigre cantando clássicos da MPB com temas culinários. Entre eles "Vatapá" de Dorival Caymmi, que motivou a discussão sobre ou uso ou não de fubá no preparo desse prato típico da Bahia. No vídeo abaixo, a música cantada por Thalma de Freitas, em cena da minissérie "Dona Flor e seus dois maridos" (Rede Globo, 1997)



Vatapá – gravação original de 1943
Letra e música de Dorival Caymmi


Quem quiser vatapá, ô
Que procure fazer
Primeiro o fubá
Depois o dendê
Procure uma nêga baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Procure uma nêga baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer

Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais

Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola, iaiá
Na hora de temperar

Não para de mexer, ô
Que é pra não embolar
Panela no fogo
Não deixa queimar
Com qualquer dez mil réis e uma nêga ô
Se faz um vatapá
Se faz um vatapá
Que bom vatapá

Bota castanha de caju...

sábado, 1 de setembro de 2012

Pesquisa de Campo em BH - Xapuri


A cozinha do festejado Xapuri, no domingo, pouco antes do meio dia. Dá para ver que o fogão a lenha é quase decorativo, funcionando como um "rechaud" para as comidas prontas e completando a defumação das linguiças. Os cavalos de batalha são mesmo fogões industriais a gás, capazes de dar conta do enorme movimento da casa que, ao contrário da maioria dos restaurantes de "comida mineira", atende por sistema a la carte.



Abrindo os serviços no Xapuri: bolinho de mandioca recheado com muzzarella, cerveja e duas Vale Verde para limpar a serpentina. Sequinhos, tenros e gostosos, mas sem grandes novidades no sabor.









 

Secondi piatti: frigideira de giló com queijo de minas, com os indefectíveis torresmos a servir de contorni. Muito bom, mas é só para quem gosta de giló. Torresmos muito corretos, bem pururucados e no ponto preciso para fazer companhia à cerveja geladinha.




Pièce de résistance: costelinha de porco frita, com couve, feijão tropeiro, arroz branco e mandioca. À direita, uma concessnao para aos comensais menos chegados à cozinha criminosa das Geraes: filé com legumes salteados e banana frita, arroz e feijão. 


Comentários: a couve e o feijão tropeiro estavam muito bons, mas a mandioca e a costela deixaram a desejar, tanto na consistência como no sabor. Já comi bem melhores tanto lá em Uberaba como aqui em São Paulo, no Consulado Mineiro. O filé com legumes estava melhor que a costela, mas o feijão – embora saboroso – não tem gosto de feijão "de fazenda". Desconfio que eles dispensam a banha e o toicinho defumado para não afugentar os vegetarianos



Pesadelo dos diabéticos, os doces e compotas têm direito a uma cozinha à parte no Xapuri, com fogão a lenha e tachões de cobre. A mesa de sobremesas é "self service", com cobrança por peso. Eu encarei a ambrosia (divina) e misturei doce de cidra ralada com doce de leite, um velho costume uberabense.


Abaixo, a lojinha de doces, cachaças e peças decorativas de Minas Gerais no Xapuri. Tudo muito bonito, mas com preços para turista gringo. Vale mais a pena gastar seu dinheiro no Mercadão 

 

Restaurante Xapuri
Rua Mandacaru, 260 - Pampulha
Belo Horizonte, MG, Brasil

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pesquisa de Campo em BH - Mercadão

Mercadão Central de Belo Horizonte. Uma impressionante variedade de queijos, artesanais e industriais (tem até tofu ?!). Bem se vê que estamos na capital do estado do leite. Difícil é a gente confiar que todos esses queijos tenham vindo mesmo da Serra da Canastra ou do Serro.


Aqui uma barraca de pimentas. Frescas ou em conserva, um festival de cores com diferentes opções de sabor e ardências. Preços razoavelmente honestos, ao menos para nós que já estamos acostumado com os despautérios paulistanos.


Dando início aos "serviços", arranchamos no tradicional Boteco Casa Cheia, dentro do Mercado, onde você encontra esse Torresmo Especial de Barriga, marinado com ervas e cachaça, feito na banha, armazenado na lata e pururucado na gordura quente. Servido com molho de tangerina. 

Meu comentário: trata-se de um tipo particular de "comida de santo" – deve-se comer ajoelhado, agradecendo a Deus pela existência do porco e rogando ao Altíssimo para que nos livre do colesterol e da culpa. Não se esqueça de oferecer um pouco de cachaça para o santo de predileção. Não faltam opções de branquinhas para acompanhar a iguaria, mas eu fui mesmo é de cerveja gelada.

Puro esse torrresmo já é delicioso, mas o molho de tangerina dá um toque muito especial. E as pimentas biquinho podem ser comidas inteiras.



Também no Casa Cheia, provei o premiado Mineirinho Valente: canjiquinha com queijo, lombo defumado, costela desossada ao vinho, linguiça caseira e espinafre.

Comentário: um legítimo caldo restaurador para momentos de estresse, depressão ou profunda fadiga física. Nos faz relembrar que há no mundo motivos de sobra para permanecer lutando. Se esse boteco abrisse de madrugada, o "mineirinho" era uma boa opção para rebater a ressaca nos finais de noite. O espinafre rasgado dá um toque de marinheiro Popeye à colorida infusão.

A cumbuca de ferro é pequena, mas a porção serve generosamente duas pessoas não muito famintas.

Para arrematar, encaramos o Mexidoido Chapado: mexido feito na chapa com picanha fatiada, lombo defumado, linguiça caseira, bacon, legumes preparados no azeite, ovo frito de codorna, arroz e ervas aromáticas.

Comentário: essa recriação sofisticada do tradicional "mexidão caipira" é um prato muito bonito, mas decepcionou um pouco em termos de entrega de sabor. Eu trocaria a picanha por uma carne de sol frita na manteiga, que eu acho mais coerente com a proposta "tropeira" do prato.

De qualquer forma, é uma porção de inegável "sustança", feito para quem vai capinar umas 100 covas de café depois do almoço.
Serve duas pessoas tranquilamente, desde que os marmanjos não briguem pelo ovinho de codorna frito que orna o topo do monte.

Mercado Central
Avenida Augusto de Lima, 744 - Centro
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil



Canastra de São Roque


Um legítimo queijo Canastra, recém-buscado nas Gerais, e já em fase de devoramento. Derretido no micro-ondas ou na frigideira e despejado dentro de uma canoa de pão francês fresco e quentinho, é iguaria para o café-da-manhã do domingão.

Também vale derreter e jogar em cima de um bom doce de goiaba de orelha. Mas nesse caso eu prefiro usar o requeijão caseiro escuro, com um dedinho de conhaque na massa para dar o ponto.


E viva o nascente terroir de São Roque de Minas, que é saudado aqui, nessa reportagem da TV "TAM Nas Nuvens":



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Comida de Pensão


Para quem não teve oportunidade de conhecê-las, essas são as famosas marmitas de alumínio, que – por duas ou três gerações de brasileiros – eram usadas para entregar em casa a "comida de pensão". Ainda existem à venda, no Magazine Luiza on line, por R$ 107,10 à vista ou em até 24 parcelas de R$ 8,49.

E aqui, o lamento bem humorado do cantor Ivon Curi (1928-1995) sobre um cardápio de pensão muito especial

Comida de Pensão
, gravada originalmente em 1957
Composição de Miguel Miranda e S. A. Balbi.

Pra fazer economia
eu fui morar numa pensão
Onde a bóia todo o dia
Era só feijão, feijão

Durante a semana inteira
Eu com o coração na mão
Vinham as compras lá da feira
Uma porção de cestas
Só de feijão

Feijão preto com quiabo
Mulatinho com chuchu
Nunca vi sopa de nabo
Só farofa com tutu
Domingos e feriados
Variava a refeição
Vinham ovos estrelados
Carne seca no feijão

Feijão, feijão, feijão
Era só feijão, feijão

De segunda a sexta-feira
Eu sempre mal com indigestão
Se me queixava à cozinheira
Me dava um chá, chá de feijão
Mas eu pensando que era vivo
Chamei a dona da pensão
- Dona Olga por favor um aperitivo
Vinha batida de feijão

Reclamar com a Teresa
Não adiantava não
Pois até na sobremesa
Vinha doce de feijão
Domingos e feriados
Variava a refeição
Vinham ovos estrelados
Carne seca no feijão

Feijão, feijão, feijão
Era só feijão, feijão

Maionese de feijão
Refresco de feijão
Sanduíche de feijão